Diante da nova estruturação
capitalista das últimas décadas marcada pela globalização da economia,
reestruturação e internacionalização dos mercados financeiros, e o surgimento
de novas tecnologias, as manifestações da questão social tornam-se ainda mais
evidentes, como o desemprego estrutural, pobreza e trabalho informal.
Nesse contexto, a nova ordem econômica
mundial regida pelo capital, intensifica as desigualdades sociais já
existentes, legitimando e reafirmando uma estrutura social marcada por uma
grande concentração de renda e diferenças entre ricos e pobres. A importação de
novas tecnologias, o desmonte do Estado, a reorganização do processo produtivo,
tem promovido um aumento das desigualdades apontadas.
Desse modo,
o processo de flexibilização, bem como de precarização do trabalho vem sendo
apontado como um dos principais problemas associados aos processos de
reestruturação das formas de produzir e dos modos de organizar o trabalho que
vem ocorrendo no Brasil e até mesmo em países da União Européia no bojo das
transformações do sistema capitalista.
Assim, nos últimos vinte anos, ocorreram
transformações profundas nos mercados de trabalho brasileiro e europeu, com
impactos significativos não apenas nas condições de trabalho e de emprego dos indivíduos,
mas também em seus modos de vida. Com efeito, a precariedade do emprego não se
restringe ao impacto econômico na vida dos indivíduos e das famílias, gerando
também sentimentos de insegurança e de medo ou seja, há também um retraimento
diante da possibilidade de construir projetos de vida e de organizar o futuro.
Castel (2003) afirma que, numa
perspectiva histórica, verifica-se que a precariedade do trabalho foi uma
constante nos trabalhadores das classes populares. Ainda conforme o autor, esta
situação de ter de viver enfrentando os “riscos sociais” acompanhou estes trabalhadores
através dos tempos e foi uma característica recorrente das condições de
existência das classes populares.
Os
conflitos e a precarização no mundo do trabalho são causados basicamente pela
divergência de interesses entre as classes sociais. Além
disso, a valorização de uma alta racionalização dos processos produtivos desde
a revolução industrial, o aumento da exploração do trabalho humano e as
consequentes acumulação de riqueza e aumento da desigualdade social, só fizeram
recrudescer as hostilidades e divergências entre as classes ao longo da
história do capitalismo enquanto modo de produção predominante.
Marx (2001) afirma que, no mundo
capitalista, reina uma intensa concorrência entre industriais, banqueiros e
comerciantes, conduzidos por um mesmo objetivo: extrair lucros cada vez maiores
com o emprego de seu capital, reduzindo a força de trabalho empregada. E essa
concorrência ocorre entre os diferentes grupos de capitalistas, e internamente
a cada um deles (cada capitalista, ou grupo de capitalistas, lutando pela
retenção de uma parcela maior na distribuição da mais-valia extraída) e isso
influencia no processo de trabalho, bem como em suas relações.
Segundo Castells (2002), na atual
sociedade ocidental, a precariedade nas relações de trabalho tem
características específicas que se enquadram na nova fase de desenvolvimento do
sistema capitalista. Assim, como refere Castells: “Em qualquer processo de
transição histórica, uma das mais diretas expressões de mudança sistêmica é a
transformação da estrutura ocupacional e do emprego”
Trata -se, segundo Castel (1995), da “desestabilização
dos estáveis”, o que significa que uma parte da classe operária integrada e dos
assalariados da classe média baixa está sob a ameaça de perder os seus postos
de trabalho.
Segundo
Antunes (2011), verifica-se ainda uma crescente subproletarização do trabalho, através da incorporação do trabalho
precário, temporário, parcial etc. A presença imigrante no Primeiro Mundo cobre
fatias dessa subproletarização. Para
o autor, há um fortíssimo processo de terceirização
do trabalho, que tanto qualifica como desqualifica e com certeza desemprega e
torna muito menos estável a condição da classe operária. Para Antunes, a
terceirização está diretamente relacionada com a precarização do trabalho, pois
do ponto de vista econômico, as empresas buscam como estratégia central
otimizar seus lucros e reduzir preços através de baixíssimos salários, altas
jornadas de trabalho e pouco ou nenhum investimento em melhoria das condições
de trabalho. Ainda conforme o autor: “reduzir a
jornada de trabalho, discutir o que produzir, para quem produzir e como
produzir são ações prementes. Ao fazermos isso, estamos começando a discutir os
elementos fundantes do sistema de metabolismo social do capital que é
profundamente destrutivo”.
Para Antunes, o sindicalismo não permaneceu imune
a estas tendências: diminuíram as taxas de sindicalização, nas últimas décadas,
não só no Brasil, mas também em países como EUA, Japão, França, Itália,
Alemanha, Reino Unido entre outros, sendo que com o aumento do fosso entre
operários estáveis e precários, parciais, reduz-se fortemente o poder dos
movimentos trabalhistas, contribuindo assim para o enfraquecimento dos
sindicatos
Como
possibilidade de novas potencialidades, surge as novas modalidades de
assalariamento ou trabalho atípico, isto é, o trabalho em tempo parcial (part-time),
trabalho temporário, trabalho independente (freelancer) com pouca
regulamentação e sem proteção social em contraposição as formas de trabalho
regulamentadas e estáveis prevalentes na industria fordista, com o objetivo de
ampliar a exploração do trabalho e ajudar a recuperação das formas econômicas,
políticas e ideológicas da dominação burguesa.
No Brasil, esse processo de precarização do trabalho, vem
ocorrendo desde os anos 1970 com o processo de reestruturação produtiva, bem
como a acumulação flexível (Toyotismo), e intensificou-se nas décadas de 1980/1990
impulsionado pela nova divisão internacional do trabalho e pelas formulações
definidas pelo Consenso de Washington com a implementação da política
neoliberal de privatização das estatais, desenvolvida com mais avanço no
governo de FHC.
No documento Emprego,
Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente: a experiência brasileira recente (OIT, CEPAL, PNUD, 2008),
destaca-se que as características mais gerais do mercado de trabalho, na
América Latina e no Brasil, nos anos 2000, mantêm a tendência e os principais
problemas que caracterizam a precarização social do trabalho na região como
o número insuficiente de postos de trabalho, sendo que parte do crescimento
dessas ocupações foi no trabalho informal; os empregos criados são ainda de
baixa qualidade (informais, temporários e sem contratos) e o aumento da
população ocupada sem direito à seguridade social.
A
precarização das condições de trabalho, bem como o desemprego estrutural tem
atingido também países como França, Itália, Grécia, Portugal e Espanha, visto
que as taxas de desemprego na Espanha chegaram em novembro de 2013 a 57,7% e na
Itália a 41,6% no mesmo período segundo dados do portal “Eurostat” da União
Européia. Na Alemanha – país que possui um dos melhores níveis de Bem-Estar
social da Europa e do mundo – a situação também não está muito diferente, pois a flexibilização da legislação trabalhista e a
precarização das condições de trabalho é crescente. Dez anos após as mais recentes reformas trabalhistas, a
Alemanha tem as taxas de desemprego mais baixas da União Europeia, cerca de
5,4% contra uma média de 10,9% segundo dados da Revista Forum. Entre esses
números, porém, estão os salários cada vez mais baixos (principalmente entre os
imigrantes), os contratos temporários e os “mini-Jobs”, uma forma de trabalho
na qual se recebe até 400 euros por mês, porém sem regulamentação de trabalho
fixo. Nesse esquema de trabalho é possível obter subsídio do estado para compor
o valor mínimo de 700 euros, num programa conhecido como “Hartz IV[1]“
legitimando assim a política trabalhista neoliberal no mercado de trabalho
alemão.
Desse modo,
a precarização do trabalho significa o desmonte dos direitos trabalhistas. Daí
a importância de refletir sobre essa temática, sobre a lógica perversa do
capitalismo, avaliando formas de manter garantias ao trabalhador, que é o lado
mais frágil desse conflito.
2
O Plano Hartz I, II, III e IV criado por Peter Hartz chefe da Kommission für
moderne Dienstleistungen am Arbeitsmarkt
(Comissão de Serviços modernos no Mercado de Trabalho) constitui-se uma série
de reformas trabalhistas, realizada na Alemanha que visa flexibilizar o mercado
de trabalho alemão reduzindo drasticamente, a partir de 2005, o custo da “sobrevivência dos inúteis”, ou
seja, ele priva os desempregados de mais de um ano de seus direitos
sociais e os reenvia à
assistência
social forçando-os ao mesmo tempo a aceitar trabalhar por um euro a hora, rompendo com a concepção sagrada do Pleno Emprego, ele
reorganiza o mercado de trabalho conforme a nova ordem neoliberal.
Por Renata Silva Souza