quarta-feira, 9 de abril de 2014

A PRECARIZAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO NO ATUAL ESTÁGIO DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO

Diante da nova estruturação capitalista das últimas décadas marcada pela globalização da economia, reestruturação e internacionalização dos mercados financeiros, e o surgimento de novas tecnologias, as manifestações da questão social tornam-se ainda mais evidentes, como o desemprego estrutural, pobreza e trabalho informal.


Nesse contexto, a nova ordem econômica mundial regida pelo capital, intensifica as desigualdades sociais já existentes, legitimando e reafirmando uma estrutura social marcada por uma grande concentração de renda e diferenças entre ricos e pobres. A importação de novas tecnologias, o desmonte do Estado, a reorganização do processo produtivo, tem promovido um aumento das desigualdades apontadas.    
                                               
Desse modo, o processo de flexibilização, bem como de precarização do trabalho vem sendo apontado como um dos principais problemas associados aos processos de reestruturação das formas de produzir e dos modos de organizar o trabalho que vem ocorrendo no Brasil e até mesmo em países da União Européia no bojo das transformações do sistema capitalista.               
                                                                                                                          
Assim, nos últimos vinte anos, ocorreram transformações profundas nos mercados de trabalho brasileiro e europeu, com impactos significativos não apenas nas condições de trabalho e de emprego dos indivíduos, mas também em seus modos de vida. Com efeito, a precariedade do emprego não se restringe ao impacto econômico na vida dos indivíduos e das famílias, gerando também sentimentos de insegurança e de medo ou seja, há também um retraimento diante da possibilidade de construir projetos de vida e de organizar o futuro.

Castel (2003) afirma que, numa perspectiva histórica, verifica-se que a precariedade do trabalho foi uma constante nos trabalhadores das classes populares. Ainda conforme o autor, esta situação de ter de viver enfrentando os “riscos sociais” acompanhou estes trabalhadores através dos tempos e foi uma característica recorrente das condições de existência das classes populares.

Os conflitos e a precarização no mundo do trabalho são causados basicamente pela divergência de interesses entre as classes sociais. Além disso, a valorização de uma alta racionalização dos processos produtivos desde a revolução industrial, o aumento da exploração do trabalho humano e as consequentes acumulação de riqueza e aumento da desigualdade social, só fizeram recrudescer as hostilidades e divergências entre as classes ao longo da história do capitalismo enquanto modo de produção predominante.
Marx (2001) afirma que, no mundo capitalista, reina uma intensa concorrência entre industriais, banqueiros e comerciantes, conduzidos por um mesmo objetivo: extrair lucros cada vez maiores com o emprego de seu capital, reduzindo a força de trabalho empregada. E essa concorrência ocorre entre os diferentes grupos de capitalistas, e internamente a cada um deles (cada capitalista, ou grupo de capitalistas, lutando pela retenção de uma parcela maior na distribuição da mais-valia extraída) e isso influencia no processo de trabalho, bem como em suas relações.

Segundo Castells (2002), na atual sociedade ocidental, a precariedade nas relações de trabalho tem características específicas que se enquadram na nova fase de desenvolvimento do sistema capitalista. Assim, como refere Castells: “Em qualquer processo de transição histórica, uma das mais diretas expressões de mudança sistêmica é a transformação da estrutura ocupacional e do emprego”

Trata -se, segundo Castel (1995), da “desestabilização dos estáveis”, o que significa que uma parte da classe operária integrada e dos assalariados da classe média baixa está sob a ameaça de perder os seus postos de trabalho.

Segundo Antunes (2011), verifica-se ainda uma crescente subproletarização do trabalho, através da incorporação do trabalho precário, temporário, parcial etc. A presença imigrante no Primeiro Mundo cobre fatias dessa subproletarização. Para o autor, há um fortíssimo processo de terceirização do trabalho, que tanto qualifica como desqualifica e com certeza desemprega e torna muito menos estável a condição da classe operária. Para Antunes, a terceirização está diretamente relacionada com a precarização do trabalho, pois do ponto de vista econômico, as empresas buscam como estratégia central otimizar seus lucros e reduzir preços através de baixíssimos salários, altas jornadas de trabalho e pouco ou nenhum investimento em melhoria das condições de trabalho. Ainda conforme o autor: “reduzir a jornada de trabalho, discutir o que produzir, para quem produzir e como produzir são ações prementes. Ao fazermos isso, estamos começando a discutir os elementos fundantes do sistema de metabolismo social do capital que é profundamente destrutivo”.

Para Antunes, o sindicalismo não permaneceu imune a estas tendências: diminuíram as taxas de sindicalização, nas últimas décadas, não só no Brasil, mas também em países como EUA, Japão, França, Itália, Alemanha, Reino Unido entre outros, sendo que com o aumento do fosso entre operários estáveis e precários, parciais, reduz-se fortemente o poder dos movimentos trabalhistas, contribuindo assim para o enfraquecimento dos sindicatos                                                                                                                
Como possibilidade de novas potencialidades, surge as novas modalidades de assalariamento ou trabalho atípico, isto é, o trabalho em tempo parcial (part-time), trabalho temporário, trabalho independente (freelancer) com pouca regulamentação e sem proteção social em contraposição as formas de trabalho regulamentadas e estáveis prevalentes na industria fordista, com o objetivo de ampliar a exploração do trabalho e ajudar a recuperação das formas econômicas, políticas e ideológicas da dominação burguesa.     

No Brasil, esse processo de precarização do trabalho, vem ocorrendo desde os anos 1970 com o processo de reestruturação produtiva, bem como a acumulação flexível (Toyotismo), e intensificou-se nas décadas de 1980/1990 impulsionado pela nova divisão internacional do trabalho e pelas formulações definidas pelo Consenso de Washington com a implementação da política neoliberal de privatização das estatais, desenvolvida com mais avanço no governo de FHC.

No documento Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente: a experiência brasileira recente (OIT, CEPAL, PNUD, 2008), destaca-se que as características mais gerais do mercado de trabalho, na América Latina e no Brasil, nos anos 2000, mantêm a tendência e os principais problemas que caracterizam a precarização social do trabalho na região como o número insuficiente de postos de trabalho, sendo que parte do crescimento dessas ocupações foi no trabalho informal; os empregos criados são ainda de baixa qualidade (informais, temporários e sem contratos) e o aumento da população ocupada sem direito à seguridade social.

A precarização das condições de trabalho, bem como o desemprego estrutural tem atingido também países como França, Itália, Grécia, Portugal e Espanha, visto que as taxas de desemprego na Espanha chegaram em novembro de 2013 a 57,7% e na Itália a 41,6% no mesmo período segundo dados do portal “Eurostat” da União Européia. Na Alemanha – país que possui um dos melhores níveis de Bem-Estar social da Europa e do mundo – a situação também não está muito diferente, pois a flexibilização da legislação trabalhista e a precarização das condições de trabalho é crescente. Dez anos após as mais recentes reformas trabalhistas, a Alemanha tem as taxas de desemprego mais baixas da União Europeia, cerca de 5,4% contra uma média de 10,9% segundo dados da Revista Forum. Entre esses números, porém, estão os salários cada vez mais baixos (principalmente entre os imigrantes), os contratos temporários e os “mini-Jobs”, uma forma de trabalho na qual se recebe até 400 euros por mês, porém sem regulamentação de trabalho fixo. Nesse esquema de trabalho é possível obter subsídio do estado para compor o valor mínimo de 700 euros, num programa conhecido como “Hartz IV[1]“ legitimando assim a política trabalhista neoliberal no mercado de trabalho alemão.                                                                              
Desse modo, a precarização do trabalho significa o desmonte dos direitos trabalhistas. Daí a importância de refletir sobre essa temática, sobre a lógica perversa do capitalismo, avaliando formas de manter garantias ao trabalhador, que é o lado mais frágil desse conflito.



2 O Plano Hartz I, II, III e IV criado por Peter Hartz chefe da Kommission für moderne Dienstleistungen am  Arbeitsmarkt (Comissão de Serviços modernos no Mercado de Trabalho) constitui-se uma série de reformas trabalhistas, realizada na Alemanha que visa flexibilizar o mercado de trabalho alemão reduzindo drasticamente, a partir de 2005,  o custo da “sobrevivência dos inúteis”, ou seja, ele priva os desempregados de mais de um ano de seus direitos sociais e os reenvia à assistência social forçando-os ao mesmo tempo a aceitar trabalhar por um euro a hora, rompendo com a concepção sagrada do Pleno Emprego, ele reorganiza o mercado de trabalho conforme a nova ordem neoliberal.




Por Renata Silva Souza